Quando terminar? Somar ou continuar?

Marcio S Galli, 10-11-2024

  • Notas sobre escrita, de Marcio Galli
  • Ribeirão Preto, Sexta feira, 11 de Outubro de 2024, do banheiro do Café Pagliaroni.
  • Resumo: O tema dessa nota de reflexão é sobre a vontade de adicionar algo a mais em um artigo que foi feito de uma vez.

Logo após escrever "A escrita, o trabalho, é o exemplo que muda o escritor" eu deixei uma mensagem para meu amigo escritor Rodrigo. A mensagem, deixada via Whatsapp, dizia algo assim:

"Eu ainda não sei, Rodrigo, se eu devo cortar [finalizar] esse artigo do jeito que mostrei. Eu lembrei sobre o que você me disse, sobre deixar o leitor completar, montar o quebra cabeça. Mas, por outro lado e sei lá se é meu subconsciente que diz, queria complementar o artigo com uma ideia a mais com algo que um amigo me controu do filme "Tic Tic Boom". Aliás, queria fazer referência do filme, falar dessa ideia de que "uma coisa leva a outra". Enfim."

E ele me respondeu:

"Sobre o artigo, cara, tem aquele final, né, você talvez queira continuar e finalizar, e tem aquele final clássico, né, que é o continua, três pontinhos; que vai deixar a pessoa que lê curiosa para ler o próximo." (Silva, Rodrigo, Outubro 2024)

Eu concordei com ele. E esse olhar também me fez ver um outro cenário, onde esse extra é sim, algo separado; mas onde quem dita como a montagem deve ser feita é o mundo - a audiência, um editor, o mercado, etc. Em outras palavras, essa perspectiva me fez pensar sobre, primeiro, ter paciência, por conta de possíveis situações que merecem uma reflexão. Formalizando a complicação: O que está para ser somado realmente soma no sentido de deixar mais claro o ponto daquilo que foi dito? Ou é algo no sentido do próximo episódio? Que muda, ajusta, o rumo, que pode levar a um novo momento interessante? Ou ainda, poderia ser o caso que o que vem a ser somado prejudica? Tanto no sentido de dar muitas explicações para o leitor como até confundir?

Sobre isso também pensei sobre um outro caso de problema que inclusive poderia acontecer com esse artigo que eu escrevi por conta de que este foi um artigo dos que chamo de "vomitados". Nota, o vomitado é aquele que você escreve de uma vez, meio que guiado por alguma emoção, algo muito vivo.

Então, tendo observado isso, pensei sobre uma situação onde a vontade de editar, de ajustar aquilo que já foi feito, poderia desestruturar o processo de escrita, no sentido de possivelmente levar a um desastre. É como se em certos casos o movimento consciente de edição, novo, entra em conflito com algo anterior, com algum tipo de estrutura que está lá mas que é difícil ver. Para deixar mais claro essa situação de conflito, gostaria de fazer uma referência para um trecho de William e White, autores do famoso livro The Elements of Style. Em "Work from a Suitable Design", eles falam sobre o design que precisa existir antes do texto. Sobre esse design, eu vejo como sendo um rumo, uma estrutura, um roteiro, etc. Mas, eles nos alertam sobre uma situação onde o design pode não estar tão claro:

"Sometimes, of course, impulse and emotion are more compelling than design. If you are deeply troubled and are composing a letter appealing for mercy or for love, you had best not attempt to organize your emotions; the prose will have a better chance if the emotions are left in disarray—which you will probably have to do anyway, since feelings do not usually lend themselves to rearrangement. But even the kind of writing that is essentially adventurous and impetuous will, on examination, be found to have a secret plan: Columbus didn't just sail, he sailed west, and the new world took shape from this simple and, we now think, sensible design." — William Strunk Jr. and E.B. White, The Elements of Style, p. 70-71, section: "Work from a Suitable Design"

"Às vezes, é claro, o impulso e a emoção são mais fortes do que o planejamento. Se você estiver profundamente aflito e estiver compondo uma carta pedindo misericórdia ou amor, é melhor não tentar organizar suas emoções; a prosa terá uma chance maior se as emoções forem deixadas em desordem—o que você provavelmente terá que fazer de qualquer maneira, já que os sentimentos geralmente não se prestam à reorganização. Mas mesmo o tipo de escrita que é essencialmente aventureira e impetuosa, ao ser examinada, mostrará ter um plano secreto: Colombo não apenas navegou, ele navegou para o oeste, e o novo mundo tomou forma a partir deste fim simples e, agora pensamos, um planejamento sensato." — William Strunk Jr. e E.B. White, The Elements of Style, p. 70-71, seção: "Trabalhe a partir de um design adequado" (Tradução nossa)

Voltando a questão do "somar", o possível conflito pode emergir porque o que está sendo adicionado - sendo de certa forma consciente e mais estruturado - entra em conflito com aquele outro design anterior que poderia não ter sido percebido; o que pode ser o caso dos artigos "vomitados".

Eu concluo essa reflexão celebrando a importância de, em primeiro lugar, refletir sobre o possível design anterior e então comparar o design dessas partes. O que vem, de novo, de fato está totalmente dentro do design anterior? Ou pode mudar um pouco o rumo? Ou abre um olhar novo? Ou pode até conflitar?